Cherreads

Chapter 14 - Três dos quatros.

— Venha comigo — ela disse.

Quando entramos na sala, fiquei de boca aberta. Tinha runas entalhadas nas paredes, artefatos antigos em pedestais, pergaminhos flutuando no ar... Parecia que eu tinha entrado numa daquelas histórias que minha irmã adorava ler, os isekais, onde o herói vai parar num mundo cheio de magia.

Lembrei dela na hora... Ela ia pirar vendo isso tudo. Pensar na minha irmã ainda dói. Dói muito, como se tivesse uma faca no meu peito.

Queria tanto superar essa dor, mas sei que essa cicatriz vai ficar comigo pra sempre. Mesmo assim, fiz uma promessa pra mim mesmo: vou proteger minha nova família, custe o que custar.

Margareth me chamou, me tirando dos meus pensamentos. Pediu pra eu subir num tipo de altarzinho de pedra no meio da sala. Em cima dele, tinha quatro pedras arrumadas em forma de cruz, cada uma com uns símbolos rúnicos desenhados.

Fiquei olhando, curioso e meio com o pé atrás. O que será que ia acontecer? Margareth percebeu minha cara e começou a explicar:

— Cada pedra dessas representa um elemento — disse ela, apontando pra primeira, à direita. — Essa é do Fogo.

Olhei bem pra pedra. Os desenhos nela pareciam brilhar com um calor que quase dava pra sentir, como se fossem brasas prontas pra acender.

Depois, ela apontou pra segunda pedra, à esquerda da de Fogo:

— Essa representa a Terra.

A runa gravada nela era mais grossa, com traços retos e fortes. A pedra parecia mais pesada que as outras, como se tivesse a força do chão dentro dela. Cheguei perto e senti uma energia firme, pesada, como se montanhas estivessem debaixo dos meus pés.

Em seguida, ela apontou pra pedra de cima, no topo do altar.

— Essa representa o Ar.

As runas dessa eram fininhas, cheias de curvas, quase dançando. A pedra parecia flutuar um pouquinho, sem encostar direito no chão. Quando cheguei perto, senti um ventinho no rosto, mesmo sem janela aberta ali. Era como se a pedra respirasse.

Por último, ela apontou pra pedra que fechava a cruz.

— E essa representa a Água.

Os desenhos nela eram ondulados, como ondas do mar. A pedra parecia meio molhada, brilhando suave, refletindo a luz como a água calma de um lago. Cheguei perto e senti uma paz enorme, como se meu coração batesse no ritmo de uma correnteza invisível.

Margareth se aproximou das pedras, com um olhar tranquilo, e começou a falar baixo, com aquela voz que parecia carregar séculos de conhecimento.

— Cada elemento desses não é só uma força da natureza… eles são parte da nossa alma. Entender eles é entender a si mesmo.

Ela apontou pra pedra com as runas pesadas.

— Essa é a Terra. Representa o corpo, a base, o que nos prende no mundo real. O que você toca, sente… o chão que você pisa.

Fez uma pausa e me olhou.

— Espiritualmente, ela significa disciplina, paciência, raízes. Nossos ancestrais estão na Terra.

Depois, passou a mão pra pedra com as marcas fluidas.

— Essa é a Água. Ela corre, desvia, se adapta. Representa as emoções, a intuição, o jeito como você sente o mundo.

Ela sorriu com carinho.

— A espiritualidade da Água fala de empatia, cura, purificação. Quem sente muito, geralmente tem ligação com esse elemento.

Em seguida, tocou a pedra que parecia quente mesmo sem fogo.

— Essa é o Fogo. Impulsivo, quente, que transforma. Representa a vontade, a paixão, a força de criar e destruir pra começar de novo.

Os olhos dela brilharam forte.

— Quando o Fogo acende em alguém, traz inspiração, coragem, renascimento. Ele queima… mas também ilumina.

Por fim, indicou a pedra mais leve, com runas finas, quase transparentes.

— E essa é o Ar. Invisível, mas tá sempre aí. Representa a mente, o pensamento, a liberdade. É o sopro da consciência.

Fez uma pausa e completou, com respeito.

— O Ar traz sabedoria, visão, clareza. Ele vai pra onde quer, como um espírito livre.

Então ela se virou pra mim.

— Nenhum elemento é melhor que o outro. Todos moram dentro da gente, mas um sempre fala mais alto… e é isso que vamos descobrir em você, Elian.

Ela parou um pouco, me dando tempo pra pensar em tudo aquilo.

Mas antes de continuar, levantei a mão devagar e perguntei:

— Antes de fazer o teste… posso tirar uma dúvida?

Margareth fez que sim com a cabeça, um “sim” silencioso, e os olhos dela me convidaram a falar.

— Todos os elementos têm uma ligação espiritual, né?

Ela concordou de novo, quieta, prestando atenção.

— Então… dá pra dizer que o corpo e a alma são a mistura dos quatro elementos, e que essa mistura forma um quinto elemento? Tipo… o espírito?

Ela me olhou surpresa, com aquela cara de quem mistura espanto com admiração. Parecia pensar: “Como você sabe disso?” — mas logo o rosto dela relaxou, e um sorriso orgulhoso e quentinho apareceu.

Claro… eu sei que isso soa esquisito vindo de uma criança de quase três anos. Mas na minha outra vida, eu estudei um pouco sobre espiritualidade, xamanismo, e até as semelhanças entre religiões antigas e o cristianismo. Lembro que, pra alguns xamãs, os quatro elementos juntos formam o espírito. E não é só coisa de pagão — até no cristianismo, os quatro elementos já foram vistos como manifestações do Espírito Santo.

Mas, voltando ao que importa: o que estava rolando ali, naquela sala cheia de mistério.

Margareth parou de sorrir, mas os olhos dela ainda brilhavam. Então falou:

— Sim… é exatamente isso. Fico realmente impressionada que você tenha feito essa ligação. Mas essa conversa… — ela respirou fundo e olhou pras pedras — … fica pra depois, pro futuro. Agora, vamos descobrir com quais elementos sua alma combina.

Margareth pegou o cajado que estava encostado na parede. Bateu de leve no chão, e as quatro pedras na minha frente começaram a brilhar fraquinho, como se estivessem acordando.

— Agora, Elian… fique quieto, respire fundo e só toque o altar com as duas mãos. As pedras vão reagir à sua alma — disse ela, calma, mas séria.

Fiz o que ela mandou. Toquei o altar e fechei os olhos. Foi quase na hora.

A pedra da terra, na minha esquerda, começou a piscar com uma luz dourada e firme, como um coração batendo forte. Era uma energia quente, mas calma, densa como terra boa pra plantar. Senti meu corpo ficar mais firme, como se meus pés quisessem criar raízes ali.

— Terra… uma afinidade bem estável. — Margareth comentou com um sorriso — Isso explica sua disciplina, mesmo sendo tão novo.

Logo depois, a pedra de ar, em cima, brilhou com um tom prateado suave, e um ventinho começou a girar ao meu redor. Meus pensamentos pareceram ficar mais claros, e senti minha mente mais leve, mais acordada.

— Ar também... Que interessante. Isso aumenta sua percepção, sua intuição. É raro ver alguém tão novo com afinidade dupla tão clara assim. — Ela falava, agora bem animada.

Mas aí... nada aconteceu com a pedra da água. Ela ficou apagada, como se nem ligasse pra mim. Ficou um silêncio estranho, até que Margareth falou, com calma:

— A água não responde a você, Elian. Isso não quer dizer que ela seja sua inimiga, só... não é o seu caminho. — Ela parou um pouco, pensando. — Mas saiba que alguns tipos de magia de cura usam outros caminhos. Com disciplina, talvez você consiga aprender algo nesse sentido, mesmo sem ter afinidade natural com a água.

Concordei com a cabeça, sem ficar chateado. Parecia justo, de algum jeito.

E então... tudo mudou de vez.

A pedra do fogo, na minha direita, explodiu em chamas douradas e vermelhas, e um círculo de luz envolveu meus braços. O calor não me queimava, pelo contrário, me dava força. Era como se algo dentro de mim acordasse e gritasse: “Finalmente!”

A sala inteira pareceu tremer um pouquinho. O olhar de Margareth ficou sério.

— Fogo... não só presente — ela sussurrou — mas dominante. É como se o fogo te reconhecesse, como se fosse sua casa.

Ela chegou mais perto e tocou meu ombro com a ponta dos dedos.

— Sua alma queima com uma força rara. Tem poder em você, Elian. Um poder que pode transformar… ou destruir. Por isso, mais do que nunca, a disciplina vai ser sua amiga. E eu vou estar do seu lado, até você aprender a controlar essa chama.

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