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Chapter 7 - Ecos da Alma, Silêncios do Coração.

Dez meses inteiro se passaram desde que iniciei meu treinamento de meditação — o primeiro passo fundamental para compreender e acumular a energia arcana que permeia este mundo.

Mas, como todo aprendiz verdadeiramente dedicado, não me limitei apenas ao acúmulo básico. Estudei, também, os caminhos ocultos da evolução rúnica que poucos iniciantes têm acesso. Descobri que, para ascender de uma runa à próxima, é necessário transitar por dois níveis intermediários distintos. Cada um desses estágios possui uma coloração específica que antecipa o tom final da Runa superior — como ecos visuais da alma em seu delicado processo de lapidação.

No caso específico da Centelha, as cores manifestam-se assim:

— Primeiro estágio: Âmbar Dourado-Claro — representa a pureza do despertar inicial, o primeiro brilho genuíno da alma ao tocar o mundo arcano.

— Segundo estágio: Âmbar Brilhante — a Centelha viva e plenamente consciente. O momento crucial onde a energia precisa ser refinada com precisão, ou será inevitavelmente dispersa.

Resumidamente:

> O Âmbar Dourado-Claro é o grau de acumulação.

> O Âmbar Brilhante é o grau de purificação.

Esse segundo estágio exige atenção extrema e disciplina inabalável. Se o arcanista persistir apenas acumulando energia sem iniciar o processo de purificação, o desequilíbrio entre alma e runa pode levar à regressão completa... ou à morte. E não uma morte suave ou misericordiosa, como Margareth fez questão de enfatizar em suas lições.

Com o avanço do treinamento, o processo naturalmente se torna mais lento e exigente. Maior acúmulo demanda maior purificação. E como não se pode depender exclusivamente da meditação estática em tempos de conflito ou necessidade, aprendemos técnicas avançadas para acumular energia mesmo em movimento — caminhando, lutando, conjurando feitiços menores.

Foi durante esses dez meses de aprendizado intenso que Margareth finalmente me revelou mais do que meras teorias arcanas. Ela me mostrou, com clareza impressionante, o impacto real das artes arcanas sobre o mundo físico.

— Elian, me siga. — disse ela certa manhã, com uma seriedade no olhar que raramente demonstrava.

Cruzamos os corredores polidos da mansão, atravessamos os jardins impecavelmente mantidos e, pela primeira vez desde o início do meu treinamento, fomos além do domínio visível da propriedade. Ao abrir uma antiga porta de ferro maciço, quase completamente coberta por trepadeiras de folhas escuras, descobri algo verdadeiramente inesperado.

Um campo de treinamento arcano.

Escondido para além da ordem dourada da nobreza, onde tudo é protocolo rígido e contenção disciplinada, havia um espaço selvagem e vibrante de energia. Ali, o ar pesava diferente — carregado com pulsações invisíveis que faziam minha pele formigar. Estalos ocasionais, assovios etéreos e rugidos distantes preenchiam o que deveria ser silêncio.

O campo era surpreendentemente vasto. O solo, encantado com feitiços antigos e poderosos, suportava explosões de energia, rituais complexos e até mesmo distorções dimensionais menores. Marcas negras profundas, pedras parcialmente derretidas e crateras de diversos tamanhos contavam histórias silenciosas de batalhas e treinamentos passados.

No centro exato do campo, uma arena circular perfeitamente simétrica feita de pedra negra polida. Runas complexas entalhadas ao redor de toda sua circunferência brilhavam levemente com luz própria — selos de contenção, amplificação e equilíbrio arcano. Ao redor da arena, pilares de cristal cuidadosamente sintonizados com elementos primordiais aguardavam ativação, capazes de gerar ilusões convincentes, criaturas temporárias ou barreiras defensivas.

— Que lindo… — sussurrei instintivamente, incapaz de conter minha admiração.

Margareth apenas observava minha reação com olhos atentos, e então disse com voz medida:

— Trouxe você aqui para que compreenda plenamente o que o aguarda nos próximos meses de treinamento.

Ela se virou lentamente para me encarar diretamente.

— Você acumulou aproximadamente 25% da capacidade do seu núcleo arcano. — Assenti, sentindo um discreto orgulho dessa conquista. — Mas não permita que isso suba à sua cabeça, jovem aprendiz. Não se deixe guiar pela ganância de poder que consome tantos iniciantes promissores.

Seu olhar subitamente escureceu. Algo mais profundo e pessoal claramente pesava em sua alma experiente.

— Você carrega um fardo especial, Elian. Eu sei disso com certeza... porque estive presente no exato momento do seu nascimento.

Arregalei os olhos involuntariamente. Será que ela sabe sobre minha verdadeira natureza? Sobre minha reencarnação?

Com um sorriso triste que revelava compreensão, ela respondeu minha dúvida silenciosa sem que eu precisasse verbalizá-la:

— Eu não sei precisamente de onde você veio, nem como chegou até nós… mas sua energia arcana se iguala à energia etérea em sua composição fundamental. Talvez seja consequência do fato de ter nascido tecnicamente morto. Ou talvez...

Abri a boca para questionar, mas ela ergueu a mão com autoridade e me interrompeu antes que pudesse articular qualquer palavra.

— Não precisa me dizer nada agora. Seu despertar está intrinsecamente atado à essência etérea. Aceitei treiná-lo não apenas por obrigação ou pagamento, mas porque você é como eu.

— Como assim? — perguntei, genuinamente surpreso pela revelação inesperada.

Margareth sorriu com melancolia contida, seus olhos revelando memórias antigas.

— Eu também morri, Elian. Não por tanto tempo quanto você permaneceu no limiar… mas morri completamente. E, contra todas as probabilidades, retornei. — Ela ergueu o olhar para o céu claro acima de nós, e o silêncio nos envolveu por alguns instantes carregados de significado. Quando voltou a falar, sua voz havia recuperado a firmeza habitual.

— Tire essa semana inteira de folga. Fique com seus pais. Com sua irmã pequena. Aproveite esses momentos preciosos enquanto ainda pode fazê-lo livremente. Porque quando você retornar...

Ela se virou em direção à arena central, onde as runas antigas pulsavam lentamente como um coração vivo e consciente.

— ...eu lhe ensinarei um método de utilização das artes arcanas que não requer sigilos elaborados ou cânticos rituais.

Um novo caminho se abria diante de mim — silencioso, pulsante e inevitável como o destino.

★★★

Retornando para casa a cavalo com meu pai, o vento cortava suavemente entre as árvores do caminho, e minha mente girava incessantemente em silêncio, repetindo as palavras reveladoras de Margareth:

“Eu sou igual a você.”

— Será que ela também é uma reencarnada completa, como eu? — refleti internamente. — Ou será que apenas morreu por um breve tempo e retornou, como nos relatos antigos de pessoas que juram ter vislumbrado o outro lado?

Meu pai, sempre atento às mudanças sutis em meu comportamento, percebeu o peso incomum no meu semblante pensativo.

— O que está te incomodando, filho? — perguntou com genuína preocupação.

Hesitei por um momento significativo, então finalmente verbalizei, como quem joga uma pedra num lago calmo para testar sua profundidade:

— Pai... — respirei fundo para reunir coragem — você acredita em reencarnação?

Ele olhou para frente, visivelmente pensativo, como se buscasse uma memória antiga enterrada em sua consciência.

— Reencarnação, hein... — murmurou quase para si mesmo. — Acreditar, eu acredito na possibilidade. Mas por que essa pergunta tão repentina?

Mais uma vez, hesitei diante da encruzilhada da verdade. A vontade de contar tudo era quase opressiva — revelar que eu não era exatamente “Elian” em essência, que carregava memórias vívidas de outro tempo, de outro mundo completamente diferente. Que talvez eu fosse apenas um hóspede temporário no corpo que um dia eles chamaram de filho.

Mas o medo... o medo paralisante de ser rejeitado, de perder o amor incondicional daqueles que me acolheram como família... era infinitamente maior do que qualquer impulso momentâneo de coragem.

Então menti.

Disse que havia lido sobre o conceito em um dos livros antigos na biblioteca de Margareth e que o assunto despertou minha curiosidade natural.

Ele aceitou minha explicação sem insistir em mais detalhes. Talvez intuísse que havia muito mais por trás da minha pergunta aparentemente casual, mas respeitou meu silêncio e meu tempo.

Aproveitei para mudar de assunto. Contei-lhe que, após esta semana de descanso, começaria um novo estágio do treinamento com as artes arcanas — uma abordagem diferente, sem a necessidade de sigilos complexos ou cânticos rituais.

★★★

Chegando finalmente em nossa residência, fui recebido calorosamente pelas duas mulheres que mais amo nesta nova existência: minha mãe e minha pequena irmã.

Minha mãe, como sempre acontecia, me esperava na entrada com aquele sorriso doce e amoroso que parecia ter o poder mágico de aquecer até as partes mais frias e sombrias da alma.

Corri até ela sem hesitar e a abracei apertado, sem qualquer pressa de soltá-la. Seu cheiro familiar, seu toque gentil, seu calor maternal... tudo nela representava o conceito mais puro de lar. Ela então se abaixou graciosamente e, surgindo timidamente por trás dela, apareceu Vivian — aquele pequeno ser de olhos curiosos e sorriso hesitante que havia conquistado meu coração desde o primeiro instante.

“Tão indefesa, tão inocente... e ainda assim, tão plena de luz natural. Ela conforta meu coração sem sequer perceber o que faz” — pensei, sentindo uma paz profunda que jamais experimentara em minha existência anterior.

Entramos juntos na casa, nós três, como uma pequena e harmoniosa procissão de afetos genuínos.

Minha mãe me observou atentamente enquanto caminhávamos pelo salão principal.

— Como foi seu dia, Elian? Está muito cansado do treinamento?

Assenti com um sorriso leve e comecei a narrar os acontecimentos do dia. Cada detalhe que conseguia compartilhar. Talvez, em minha vida passada, eu tivesse considerado esse tipo de conversa familiar algo tedioso — repetir, narrar, explicar minúcias. Mas agora, cada segundo compartilhado com minha família era um presente inestimável que eu valorizava profundamente.

Falei sobre Margareth, sobre os avanços na meditação, o impressionante campo de treinamento arcano... até mesmo sobre o silêncio contemplativo do caminho de volta. Omiti apenas uma coisa significativa: o momento em que quase revelei toda a verdade ao meu pai.

“Ainda não...” — pensei com determinação. — “Ainda não é o momento adequado para essa revelação completa.”

Talvez um dia, no futuro. Quando a coragem finalmente vencer o medo paralisante. Quando meu coração sentir com certeza absoluta que é seguro dizer a verdade completa:

“Eu vim de outro mundo inteiramente diferente deste.”

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