A presença da Condessa Von Stein e sua filha, Belle, no salão de festas era como uma nota dissonante em uma melodia harmoniosa – inesperada, intrigante e carregada de implicações não ditas. Meu coração, que momentos antes se maravilhava com a beleza arcana do ambiente, agora pulsava com uma mistura de surpresa e cautela. O que significava a presença da mais alta nobreza de Sangue-Puro local na celebração do terceiro aniversário do filho de um Baronete Arcano?
Enquanto meus pais trocavam cumprimentos formais com alguns conhecidos que se aproximavam, meus olhos inevitavelmente buscaram os de Margareth. Ela estava no centro do salão, uma figura de poder sereno, mas seu olhar encontrou o meu por um instante fugaz, e nele li uma mensagem silenciosa: “Calma. Observe. Há mais acontecendo aqui do que aparenta.”
Respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos. A festa era, sem dúvida, muito mais grandiosa do que eu imaginara. A decoração, a música, a comida flutuante, os convidados de vestes finas... tudo indicava um evento de maior escala, talvez orquestrado por Margareth por razões que iam além de um simples aniversário.
— Elian, está tudo bem? — A voz suave de minha mãe me trouxe de volta ao presente. Ela havia notado meu olhar fixo e minha súbita quietude.
— Sim, mãe. Só... estou surpreso com tudo isso — respondi, gesticulando discretamente para o salão. — É muito... grandioso. E há tantas pessoas... algumas parecem... importantes.
Meu pai, que se aproximara, seguiu meu olhar e pousou-o brevemente sobre o grupo onde estavam os Stein, conversando com outros nobres que eu não reconhecia. Um leve vinco surgiu em sua testa.
— De fato — concordou ele, a voz baixa. — Margareth parece ter seus próprios planos para esta noite. Notei como alguns convidados nos observam e murmuram algo sobre um possível anúncio.
— Um anúncio? — repeti, a curiosidade se sobrepondo à surpresa inicial. — Que tipo de anúncio?
— Não sabemos ao certo — interveio minha mãe, ajeitando a gola do meu traje. — Mas confie em Margareth. E lembre-se de suas maneiras, querido. Cumprimente a todos com respeito, mas mantenha a discrição.
Assenti. A atmosfera estava carregada de uma eletricidade sutil, uma mistura de celebração e expectativa. Enquanto meus pais me guiavam suavemente pelo salão, cumprimentando conhecidos e sendo apresentados a alguns rostos novos, senti os olhares sobre nós. Não eram olhares hostis, mas curiosos, avaliadores. Era como se fôssemos peças centrais em um jogo cujas regras eu ainda desconhecia.
Foi então que nossos caminhos se cruzaram inevitavelmente com os da família Stein. A Condessa, uma mulher de beleza fria e porte altivo, com cabelos escuros presos em um penteado elaborado e um vestido de veludo negro que contrastava com a palidez de sua pele, ofereceu um cumprimento formal e distante a meus pais. Seus olhos, de um cinza penetrante, me avaliaram por um instante, sem demonstrar emoção.
Mas foi Belle quem prendeu minha atenção. Seus cabelos ruivos pareciam chamas suaves sob a luz arcana do salão, e seus olhos âmbar brilhante faiscavam com uma inteligência e vivacidade notáveis para seus cinco anos. Ela usava um vestido verde-esmeralda com detalhes prateados, e sua postura era ereta, aprendida, mas havia nela uma energia contida.
— Feliz aniversário, Elian Freimann — disse ela, a voz clara e um pouco formal, fazendo uma pequena reverência ensaiada.
— Agradeço, Lady Belle — respondi, inclinando a cabeça respeitosamente, como minha mãe me ensinara. — É uma surpresa e uma honra tê-la aqui.
Um leve rubor surgiu em suas bochechas, talvez pela formalidade inesperada vinda de alguém tão jovem quanto eu.
— Anciã Margareth nos convidou. Papai tem grande respeito por ela — explicou, lançando um olhar rápido para o pai, o Conde Albert, que conversava com Lucius um pouco mais afastado. — Ouvi dizer que você também é aprendiz dela agora. Deve ser... intenso.
— É desafiador — admiti, escolhendo as palavras com cuidado. — Exige muita concentração. E a senhora, Lady Belle? Também estuda as artes arcanas?
Ela balançou a cabeça, os cachos ruivos dançando levemente.
— Não da mesma forma que um Arcanista puro. Minhas habilidades se manifestam melhor de outra maneira. Papai diz que meu caminho é outro. — Ela hesitou por um instante, depois acrescentou com um brilho nos olhos: — Estou treinando esgrima com ele. Quero ser uma espadachim arcana. Canalizo a energia nas lâminas e nos movimentos.
— Espadachim arcana? — repeti, surpreso. Era uma disciplina rara e exigente. — Isso combina habilidade marcial com encantamentos de batalha. Exige grande disciplina e força.
— Eu sei! — respondeu ela, a formalidade cedendo um pouco à animação. — Papai diz que tenho talento para o movimento e para a estratégia. É difícil, mas eu gosto. É diferente do que esperam de mim, eu acho.
Percebi ali uma centelha de rebeldia, uma vontade de trilhar um caminho próprio, algo com que eu, internamente, podia me identificar. Antes que pudéssemos continuar a conversa, ela pareceu lembrar-se de algo.
— Qual o nível da sua Runa? — perguntou curiosa, embora soubesse que era uma informação pessoal.
— Centelha, com um pouco de ¼ da Runa acumulada — disse ela com um sorriso orgulhoso. — E a sua, Elian?
Pensei um pouco antes de responder. A honestidade parecia o melhor caminho para uma possível relação amigável no futuro.
— Eu despertei na Centelha também — Respondi. — Estou com um pouco mais de ¼ acumulado. Acredito que devo estar me aproximando de 35%.
— Centelha também? E despertou bem novo... — comentou ela, impressionada.
Antes que a conversa pudesse se aprofundar, sua mãe, a Condessa Elisabeth, a chamou.
— Belle, querida. Vamos cumprimentar Lady Annelise.
Belle fez uma nova reverência rápida para mim. — Foi um prazer conversar, Elian. Talvez... possamos treinar juntos algum dia? Mesmo que com artes diferentes.
— Seria interessante, Lady Belle — respondi, com um leve sorriso.
Enquanto elas se afastavam, senti um misto de sensações. A forma como ela abraçava seu caminho único era admirável. A ideia de treinar juntos, embora improvável, despertou uma curiosidade inesperada.
Nesse momento, Margareth fez um gesto discreto, chamando meus pais para um canto mais reservado do salão. Segui-os, sentindo que o momento do tal “anúncio” se aproximava.
— Lucius, Maria — começou Margareth, a voz baixa, mas carregada de uma emoção contida. — A presença de Albert e sua família aqui não é coincidência.
Meu pai franziu o cenho. — Anciã Margareth... tem certeza? Você não acha cedo demais para que ele saiba sobre nossa ligação?
Minha mãe colocou a mão sobre o braço de meu pai. — Querido, eu concordo com Margareth. Talvez seja a hora de Elian saber uma parte da verdade sobre Margareth e nossa ligação com ela.
— O que eles querem dizer com “ligação”? Ela não é somente minha Mestra, e conhecida do meu pai? — Pensei internamente, com a ansiedade subindo cada vez mais.
Lucius suspirou, o conflito interno visível em seu rosto. Ele olhou para mim, depois para Margareth.
— Faça como achar melhor, Anciã. Confio em seu julgamento.
Margareth sorriu, um sorriso genuíno e aliviado. — Obrigada, Lucius. Será um alívio poder tratá-lo com a familiaridade devida, ao menos entre nós e aqueles de confiança.
Ela então se voltou para mim, e seus olhos brilharam com uma ternura profunda. — Elian, meu querido... aprendiz. — ela corrigiu-se levemente, talvez percebendo minha confusão. — Pode parecer estranho para você, algo até mesmo inesperado, mas há uma ligação entre nossas famílias que vai além do meu treinamento com seu pai e agora com você. Eu sou avó de seu pai, mãe do pai dele, que partiu cedo demais.
— Avó do meu pai? — Perguntei olhando com grande curiosidade e espanto, entre Margareth, Lucius e Maria, buscando confirmação.
Margareth assentiu, um leve traço de dor em seu olhar ao mencionar o filho perdido.
— Sim. De início, esta festa era somente uma comemoração de seu aniversário. Mas, durante esses últimos três anos, observando você crescer, senti falta da proximidade que nossa ligação de sangue representa. Eu tinha decidido revelar ao público sobre nosso parentesco, mas... — ela hesitou — ...acredito que ainda esteja cedo para expor você a toda a complexidade que isso envolve. O estigma que carrego por eventos passados ainda poderia manchar você no futuro.
Ela fez uma pausa, respirando fundo.
— Então, após conversar com seu pai, decidimos que seria melhor contar somente a você, por enquanto. O Conde Albert já sabe, pois foi aprendiz de meu filho, seu avô, antes dele... partir. — Sua voz vacilou por um instante, a antiga dor ressurgindo. — Manteremos isso entre nós e a família Stein, por ora.
Uma tempestade de emoções começou a brotar dentro de mim. Eu nunca conheci meus avós na vida passada... Achei que estaria novamente sem avós aqui, mas agora... Margareth? Minha mestra... é minha bisavó? Meus olhos começaram a encher de lágrimas.
— Vovó... — chamei em um tom baixo, a voz embargada pelo choro contido. — Eu não me importo com estigmas... não ligo que falem...
— Tudo bem, Elian — interrompeu ela suavemente, os olhos marejados também. — Não há necessidade de se preocupar com isso agora. O importante é que você saiba a verdade. Que você, Vivian, Lucius e Maria, possam me chamar de vovó quando estivermos juntos, em particular. Isso já me basta.
Ela afagou meu cabelo. — Mas, mesmo sendo sua bisavó, não pegarei leve nos treinamentos. Quero que traga orgulho a esta velha, a seus pais e, principalmente, à sua irmãzinha. — Falou com uma risadinha contida. — Agora, vamos encerrar este assunto por aqui. No anúncio público, direi apenas que você é meu discípulo formal a partir de hoje.
Margareth, então, percebendo que o momento era propício, fez um gesto para que nos aproximássemos do centro do salão. A música do quarteto diminuiu, e um silêncio expectante caiu sobre os convidados. Todos os olhares se voltaram para nós.
Com uma voz clara e ressoante, que preencheu o salão sem esforço, Margareth começou:
— Estimados convidados, amigos, nobres colegas. Agradeço a presença de todos nesta noite especial, em que celebramos o terceiro aniversário daquele que, a partir de hoje, aceito formalmente como meu discípulo: Elian Freimann!
Um murmúrio percorreu o salão. Discípulo. A palavra confirmava os rumores e elevava meu status instantaneamente.
— Muitos aqui me conhecem por diversos títulos e histórias. — Sua voz era firme. — Mas hoje, desejo apresentar a todos vocês não apenas meu aprendiz, mas também aquele em quem deposito minhas esperanças para o futuro das artes arcanas que prezo.
Ela pousou a mão em meu ombro. — Este é Elian Freimann, filho do Baronete Arcano Lucius Freimann e de Maria Freimann. Um jovem de potencial notável, cuja jornada apenas começou.
Nesse momento, ela fez um sinal discreto. Aproximou-se de mim e, diante de todos, retirou o anel de sua bolsa de veludo.
— Como símbolo do início de seu aprendizado formal e como presente de aniversário, eu lhe concedo este Anel de Sintonia Arcana. — Sua voz ecoou enquanto ela deslizava o anel em meu dedo indicador direito. — Uma relíquia para auxiliar na clareza e no controle de suas habilidades. Que ele o guie com sabedoria.
Os convidados observavam, fascinados. Um presente como aquele, dado publicamente, era uma declaração poderosa.
Minha mãe, então, deu um passo à frente, com a pequena caixa de madeira.
— E como presente de seus pais, meu filho — disse ela, a voz clara e emocionada —, receba estes Brincos Rúnicos de Clareza. Que o amor e a proteção de sua família estejam sempre com você, mantendo sua mente focada e seu coração seguro.
Ela me ajudou a colocar os pequenos brincos, e senti o leve pulsar de sua energia protetora.
Por fim, meu pai se adiantou, segurando a espada curta envolta em seda.
— Elian — disse ele, a voz firme e orgulhosa —, como seu pai e como um Arcanista que entende a importância do equilíbrio, eu lhe dou esta Lâmina Arcana de Treinamento. As artes arcanas são seu caminho principal, o dom que deve cultivar acima de tudo. Mas a disciplina da espada lhe ensinará defesa, agilidade e o valor do corpo em harmonia com a mente. A partir do próximo mês, você começará seu treinamento de esgrima comigo aos finais de semana, não para se desviar de seu destino arcano, mas para fortalecê-lo e protegê-lo.
Ele me entregou a espada. Segurei-a diante de todos, sentindo seu peso e a promessa contida nas runas.
— Eu aprenderei, pai. Honrarei seus ensinamentos e os da Vovó Margareth — respondi, a voz firme, usando o título familiar pela primeira vez em público, um deslize talvez intencional, que causou um novo murmúrio na multidão.
Margareth ergueu a taça que um criado lhe ofereceu, um brilho divertido nos olhos.
— Brindemos a Elian Freimann! Discípulo, herdeiro de um legado e futuro Arcanista! Que sua jornada seja longa, que sua sabedoria floresça e que sua luz guie seus passos!
Os convidados ergueram suas taças, ecoando o brinde. Senti os olhares sobre mim, agora carregados de um peso diferente. Curiosidade, respeito, talvez inveja. Ao longe, vi Belle me observando com um sorriso enigmático. A noite havia apenas começado, mas minha vida havia mudado irrevogavelmente.
Enquanto os convidados voltavam a conversar, Margareth se inclinou e sussurrou:
— Este é apenas o começo, Elian. E em breve, falaremos sobre a Academia Real Arcana. O lugar onde os verdadeiros talentos são forjados... ou quebrados.
★★★★
Após o brinde e os cumprimentos formais que se seguiram ao anúncio, a atmosfera no salão tornou-se ainda mais vibrante. Os convidados agora me olhavam com uma mistura renovada de curiosidade e respeito, cientes de minha nova posição como discípulo formal de Margareth e, secretamente para alguns, seu bisneto. Enquanto meus pais conversavam com um grupo de nobres arcanos, aproveitei um momento de relativa calma para observar o ambiente, ainda processando a avalanche de emoções e revelações da noite.
Foi quando senti uma presença se aproximando. Virei-me e encontrei Belle Von Stein parada a poucos passos, seus olhos âmbar brilhante fixos nos meus com uma intensidade que me surpreendeu.
— Foi um anúncio... significativo, Elian — comentou ela, a voz um pouco mais baixa que antes, quase confidencial. — Discípulo de Margareth. Isso muda muita coisa.
— Acredito que sim, Lady Belle — respondi, mantendo a compostura. — É uma grande honra e uma responsabilidade ainda maior.
— Imagino. — Ela desviou o olhar por um instante, parecendo ponderar suas próximas palavras. Então, tirou algo do pequeno bolso escondido em seu vestido verde. Era uma pulseira fina, feita de elos delicados de platina, com um pequeno pingente em forma de estrela de seis pontas – o símbolo da Centelha. — Eu... também queria lhe dar um presente de aniversário. Não é tão grandioso quanto os que recebeu, mas... achei que seria apropriado.
Ela estendeu a pulseira para mim. Hesitei por um momento, surpreso pelo gesto inesperado.
— Lady Belle, eu... não precisava. Mas agradeço imensamente. É muito gentil de sua parte.
Peguei a pulseira. Era fria ao toque, mas emanava uma leve sensação de energia estável. A platina era um metal conhecido por sua pureza e capacidade de conduzir energia arcana sem interferências.
— Platina ajuda a estabilizar a energia da Centelha, especialmente durante o treino de controle — explicou ela, como se lesse minha mente. — Papai me deu uma semelhante quando comecei a treinar esgrima arcana. Talvez o ajude em seus estudos com Margareth.
— Tenho certeza que ajudará. É um presente muito atencioso e útil, Lady Belle. Obrigado novamente. — Coloquei a pulseira em meu pulso esquerdo; ela se ajustou com um leve clique.
— Fico feliz que tenha gostado — disse ela, um sorriso genuíno iluminando seu rosto. — E, por favor, pode me chamar apenas de Belle. Acho que, como futuros... colegas nas artes, mesmo que em caminhos diferentes, podemos dispensar um pouco da formalidade, não acha?
— Concordo, Belle. E pode me chamar de Elian. — Sorri de volta, sentindo uma inesperada conexão se formar entre nós, apesar das barreiras sociais e das diferenças em nossos dons.
Nesse instante, a Condessa Elisabeth Von Stein se aproximou, sua expressão um pouco mais suave do que quando a vi pela primeira vez. Seus olhos cinzentos me estudaram por um momento antes que ela falasse.
— Jovem Elian, permita-me oferecer meus parabéns pelo seu aniversário e por sua aceitação formal como discípulo da Anciã Margareth. É um feito notável para alguém de sua idade — disse ela, a voz polida e controlada.
— Agradeço suas palavras, Condessa — respondi, fazendo uma leve reverência. — Sinto-me honrado pela confiança de minha mestra.
— Confiança merecida, pelo que ouço. Albert mencionou o potencial que Margareth vê em você. — Ela lançou um olhar para Belle, que permanecia ao seu lado. — Minha filha também se dedica arduamente ao seu próprio treinamento. Quem sabe, talvez no futuro, quando ambos estiverem mais avançados, possam trocar conhecimentos e experiências. A combinação de diferentes artes pode ser... esclarecedora.
Sua sugestão, embora vaga, parecia carregar um peso maior. Era um aceno sutil para uma possível colaboração futura entre nossas famílias, algo impensável até pouco tempo atrás.
— Seria uma oportunidade interessante, Condessa. Acredito que sempre há o que aprender com diferentes disciplinas — respondi diplomaticamente.
A Condessa ofereceu um sorriso mínimo, quase imperceptível. — Certamente. Desejo-lhe sucesso em seus estudos, Elian Freimann. Que seu caminho seja próspero.
Com um último aceno formal, ela guiou Belle para outra parte do salão, deixando-me novamente com meus pensamentos e a sensação de que aquela noite estava tecendo fios complexos para o futuro.
A festa continuava, mas a atmosfera ao meu redor parecia ter se adensado. Os presentes, o anúncio, a conversa com Belle e a Condessa... tudo girava em minha mente. Enquanto tentava encontrar um canto mais tranquilo para processar os eventos, um homem corpulento, de rosto avermelhado e traje um tanto ostensivo para seu aparente título, bloqueou meu caminho. Seu brasão era simples, indicando ser um Barão, mas seus olhos pequenos e juntos brilhavam com uma inveja mal disfarçada.
— Ora, ora... se não é o pequeno prodígio — disse ele, a voz arrastada pelo vinho, um sorriso desdenhoso nos lábios. — Elian Freimann, o discípulo de três anos da grande Margareth. Que sorte a sua, garoto. Ou será que há mais do que sorte envolvida?
Senti um calafrio percorrer minha espinha. Seu tom era carregado de insinuação.
— Com licença, senhor Barão. Creio que não nos conhecemos — respondi, tentando manter a polidez, embora seu olhar me deixasse desconfortável.
— Não precisamos nos conhecer para que eu veja o óbvio — retrucou ele, aproximando-se um passo, o hálito de vinho invadindo meu espaço. — Títulos, presentes caros... tudo isso para uma criança. Enquanto homens de verdade lutam por reconhecimento, alguns recebem tudo de bandeja. Deve ser bom ter uma protetora tão... influente. Imagino que sua irmãzinha também terá um futuro garantido, não é? Tão pequena, tão frágil... fácil de proteger com tanto poder ao redor.
A menção a Vivian, dita com aquele tom zombeteiro e condescendente, foi como acender um pavio curto. A imagem dela, pequena e indefesa, misturou-se à lembrança dolorosa de Luana. Uma fúria fria e intensa subiu pela minha garganta, queimando meu peito. O mundo pareceu silenciar por um instante, e toda a minha atenção se concentrou naquele homem.
— Não ouse... — A palavra ecoou em minha mente, não como um pensamento, mas como um comando primal.
Senti a energia dentro de mim agitar-se violentamente, respondendo à minha raiva protetora. A runa da Centelha em minha mão ardeu, e a pulseira de platina em meu pulso pareceu vibrar. Olhei para o Barão, e percebi pelo seu recuo assustado que algo havia mudado em minha expressão. Meus olhos que normalmente eram somente dourados, agora ardiam com uma luz dourada profunda, intensa e antiga. Pequenas faíscas azuladas, quase invisíveis, começaram a crepitar na ponta dos meus dedos estendidos ao lado do corpo, um eco involuntário da energia que ameaçava transbordar.
O Barão empalideceu, o sorriso bêbado desaparecendo, substituído por um medo genuíno. Alguns convidados próximos pararam de conversar, seus olhares fixos na tensão crescente entre nós.
A energia crepitante em meus dedos intensificou-se, ameaçando formar arcos mais visíveis. A fúria pela menção leviana à minha irmã era um combustível poderoso, quase incontrolável. Lembrei-me das lições de Margareth sobre a Vontade, sobre o perigo da emoção crua guiando o poder. “Controle... intenção...” A voz dela ecoou em minha mente, lutando contra a maré crescente de raiva.
O Barão, agora visivelmente apavorado, gaguejou: — Eu... eu não quis dizer nada... só estava... brincando...
Mas suas palavras mal registravam. A imagem de Vivian, tão pequena e pura, sobreposta à memória sombria de Luana, alimentava a tempestade interior. A luz dourada em meus olhos pulsou.
Foi então que uma mão pequena, mas firme, tocou meu braço – onde a pulseira de platina repousava. O contato foi leve, quase hesitante, mas quebrou o ciclo vicioso da minha fúria.
Virei a cabeça lentamente, meus olhos ainda brilhando, e encontrei Belle ao meu lado. Sua expressão não era de medo, mas de uma seriedade concentrada. Seus próprios olhos âmbar pareciam fixos nos meus, não com julgamento, mas com uma espécie de... compreensão silenciosa.
— Elian — chamou ela, a voz baixa, mas clara o suficiente para cortar a tensão. — Não vale a pena. Ele não entende.
Suas palavras simples, ditas com calma, agiram como água fria sobre a brasa. A menção de que ele “não entendia” me lembrou da ignorância e da pequenez do Barão, contrastando com a preciosidade do que ele havia ameaçado tocar com suas palavras torpes. A fúria começou a recuar, substituída por um cansaço profundo e uma determinação fria.
Respirei fundo, forçando a energia a se recolher. As faíscas azuis em meus dedos se extinguiram, e a luz dourada em meus olhos gradualmente voltou ao dourado normal, embora uma intensidade residual permanecesse. A pulseira em meu pulso pareceu esfriar levemente.
Belle não soltou meu braço imediatamente. Ela manteve o contato por mais um segundo, como se garantisse que a tempestade havia realmente passado. Então, deu um passo sutil para trás, criando uma barreira discreta entre mim e o Barão trêmulo.
O alívio no rosto do Barão foi quase cômico, mas ninguém riu. O incidente, embora breve, havia sido testemunhado por vários convidados, e o silêncio que se seguiu foi pesado. O Barão, sem dizer mais nada, praticamente fugiu dali, desaparecendo na multidão.
Olhei para Belle, ainda sentindo o eco da fúria e o alívio do controle recuperado. — Obrigado — murmurei, a voz um pouco rouca.
Ela apenas assentiu, seus olhos âmbar ainda sérios. — Controle é uma lição constante, Elian. Para todos nós.
Aquele breve momento de caos, contudo, deixou uma marca na festa. Os murmúrios agora eram diferentes, tingidos não apenas de curiosidade, mas de um certo temor. O discípulo de Margareth não era apenas um prodígio; havia uma intensidade nele, um poder que reagia com força quando provocado.
A noite, que começara com celebração e revelações, terminava com a demonstração involuntária de um poder ainda bruto, mas inegavelmente presente. E enquanto a festa gradualmente se dispersava, eu sabia que as histórias sobre aquela noite ecoariam por muito tempo, moldando percepções e expectativas sobre o meu futuro.